Velho fascista!!! era assim que minha mãe se referia ao meu avô sempre que a chance aparecia, Velho mil vezes fascista!!! ela repetia sempre que meu avô dificultava o envio de grana para resolver as enrascadas em que ela e meu pai se metiam. Eram os anos 70, eu tinha 7 anos e meus pais eram dois burgueses defensores da liberdade, igualdade e fraternidade, ou seja dois ripongas que gostavam de dançar entre as flores, fumar maconha , celebrar a vida e perdiam horas justificando candiadamente as ações do Baader Meinhof , era verdade que me amavam demais mas era verdade também que eu vivia em outra dimensão, uma dimensão em que eu com sete anos tinha imensa dificuldade para entender o que era real e o que era fruto da fértil imaginação dos meus pais.
Torci meu pé na rua vindo da escola, simples assim, estava caminhando da escola para casa e torci meu pé, uma dor lancinante me tomou da ponta do dedão ao alto do meu desgrenhado cabelo, cheguei em casa amparada por uma outra coleguinha, assim que minha mãe me viu naquele estado não teve dúvidas chamou imediatamente o chamã de plantão que frequentava nossa casa que se chamava Irmão Romualdo, que prescreveu uma infusão de chás, massagens com casca de arvore , meditação e outras coisas que já não me lembro mais, e assim seguimos, dois dias depois eu não conseguia mais levantar da cama, no quarto dia a febre me consumia e eu já delirava o que segundo o Irmão Romualdo era a tempestade que iria anunciar a bonança, médico? apenas um capricho imposto pelo nossa sociedade hipócrita, não passavam de vendedores de remédios a serviço dos chacais imperialistas do capitalismo, 1 semana e meu pé estava do tamanho de uma bola de futebol, lembro que era entre a tardinha e noite e eu estava naquele estado febril de dormir e acordar, delirar, dormir e gemer foi quando escutei uma grande gritaria, a porta do quarto se abriu e um velho que usava um chapéu familiar irrompeu quarto adentro, se não fosse pela febre juraria que ele usava uma capa vermelha também, me pegou no colo e falou colado ao meu ouvido: "Calma, que vai dar tudo certo, você vai sarar" me carregou para fora, antes de me colocar no banco traseiro da Brasília quase 0 KM que tinha dirigido por 8 horas para chegar na nossa casa, se voltou para minha mãe e disse: "Se acontecer algo com a menina vocês dois vão pagar caro", meu avô estava mais fascista que o habitual, dirigiu até um hospital entrou comigo carregada e me entregou a um médico que tinha um aspecto mais fascista que ele, após um exame visual que durou dez segundos o monstro de branco sentenciou: "sala de cirurgia já", apaguei no éter e quando acordei meu pé tinha ganhado uma bota de gesso com uma abertura que deixava entrever um grande curativo que por baixa guardava uma infinidade de pontos, a dor era menor e eu já não tinha tanta febre, de lá meu avô fascista me levou direto ao seu bunker no retrogrado e atrasado interior de São Paulo, foram 4 meses para colocar o pé no chão, minha mãe vinha me visitar, mas não ousava conversar com meu avô que saia da casa quando ela chegava, meu pai veio uma vez e só chorou, voltei aos meus pais e a escola, Irmão Romualdo, o homem da bata amarela sumiu nas quebradas e eu nunca mais o vi.
Pequenos apêndices desta estória:
* Uma vez quando tinha 5 anos meu avô disse que eu não era a neta predileta dele, ele gostava mesmo era da mandona da Ágata que estava ao lado dele quando ele morreu;
* Lá pelos anos 80 minha mãe e meu pai se reconciliaram com meu avô, foi a única vez que vi minha mãe e meu avô chorarem, meus pais envelheceram e se tornaram os avôs mais caretas e retrógrados que jamais conheci, ficaram muito piores que o velho de chapéu;
* Hoje quando escuto alguém chamar outro alguém de fascista, sorrio e lembro do velho, meu avô aquele grande fascista.
Baseado num comentário de internete que não me lembro aonde li, se alguém se identificar pode se manifestar que dou o devido crédito.
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