7 de setembro de 2012

Progressivamente incoerente

Marcus Motta
-
06/09/2012 às 14:15
Sou progressista, cara. E odeio incoerência.
Eu sou um progressista.
Já fui definido pelo Antônio Prata como alguém assim, meio intelectual, meio de esquerda, mas confesso que não concordo muito com isso. Sou é muito intelectual e totalmente de esquerda.
Outra coisa que me irrita é que sempre que falam de mim, mencionam logo o bar. Tudo bem que o bar é a ágora da minha vida. É ali que eu posso conversar com meus amigos revolucionários e, entre uma calabresa acebolada e uns goles de cerveja, desancar o sistema e o capitalismo selvagem.
Mas o bar não me define! Nem minha barba por fazer, meus chinelos de couro comprados na Feira de São Cristóvão (que eu gosto mesmo de chamar é de feira dos paraíbas, afinal, paraíba é muito mais raiz), as pulseirinhas hippie, minha aparência ensebada ou essa bandeira vermelha que eu levo dobrada na bolsa de crochê que trouxe do meu mochilão no Peru, pronta para ser desfraldada se eu esbarrar em alguma manifestação por aí.
Nada disso me define. Isso é estereótipo criado por essa classe média elitista, racista e que odeia pobre. Tudo bem que eu ostento o mesmo visual que já existia nos anos 60, 70, 80, 90. Tudo bem que a minha ideologia já exista desde quando o meu avô ainda usava roupa de marinheiro para frequentar as aulas de catecismo, mas não admito ser rotulado assim.
Porque rótulo é coisa da burguesia insensível, dessa gente que não gosta de preto e que se acha européia.
Eu sou diferente. Pra começar, tenho muito orgulho de ser brasileiro. Sério, acho que essa nossa mistura, essa coisa do jeitinho, do país do futebol, do carnaval com todo mundo suado e abraçado na rua fez um país que dá muito certo. Se não fosse o capitalismo, a burguesia, a mídia golpista e, claro, a classe média, seríamos uma Suécia morena cheia de favelas e valas negras da felicidade.
Nunca entendi esse preconceito da direita contra o país. Eu, por exemplo, adoro um pagode, um funk, um jongo, capoeira, macaxeira, jabá, mendigo bêbado. Acho que o povo que fala errado, com erro de português mesmo, tipo “nós pesca os peixe” é muito mais autêntico do que essa pseudo-alta-sociedade beletrista. Falar errado não é pra mim, claro, eu escrevo e falo corretamente, mas é porque já fui estragado pela minha educação em colégio particular.
Mas já o populacho, sabe? Por que macular essa jequice linda com tolices como vírgulas e concordância?
Curto tanto essa coisa de povo que até vou pra uma feijoadinha no morro, tomo um mocotó de copo e acho um pecado não ter um quilombo instalado no meio das areias de Ipanema – se bem que nas minhas férias costumo ir pra Búzios, na casa de um amigo meu que é dirigente sindical, mas essa é outra história.
Claro que tudo tem limite, afinal, sou progressista mas não sou sem noção. Quando casei, fui morar em Santa Teresa, sabe como é, subúrbio é muito mais autêntico, rodrigueano, brasileiro de raiz, mas porra, é longe pra cacete. E quente.
Calor é muito bom, claro. Rio de Janeiro, 40 graus, mulatas, torcida do Flamengo, uma nega chamada Tereza. Mas, meu amigo, quando a coisa esquenta eu sempre arrumo um jeito de descolar bolsa para algum curso na Europa. Vou, estudo a sociedade capitalista e só volto quando o verão já passou, bem a tempo de enforcar a Semana Santa, ainda que eu seja totalmente contra esses feriados religiosos, já que sou ateu, graças a Deus.
Eu disse que gosto de comida de povão, né? Gosto mesmo, mas quando conheci minha atual esposa, levei pra comer sushi porque, convenhamos, fica meio difícil impressionar alguém lutando contra um churrasquinho no espeto.
Na cerimônia do casamento, que fiz numa Igreja Católica por exigência do meu sogro, mandei enfeitar tudo com lírios vermelhos. Vermelho, sacou? Foi meu recado para aquele monte de papa hóstia. E ainda usei minha cueca do Che Guevara por baixo do fraque.
Por falar em casamento, curto funk, pagode e tal, mas não na minha cerimônia. A noiva entrou na igreja ao som de Vivaldi mesmo, música popular só no final da festa, quando é hora de mostrar que a gente é brasileiro, de raiz, do povão, aí todo mundo tirou o sapato e cantou “é a vida, é bonita e é bonita”, no gogó.
Mas com cuidado pra não esbarrar na mesa de cupcakes.
Isso porque sou um cara progressista. Até sei que o meu porteiro é vascaíno, apesar de não saber se o nome dele é João ou José. Mas não tem problema, sempre que passo na portaria falo pra ele “e o Vascão, hein?” e sinto que com isso compensei completamente toda a problemática da migração nordestina.
Não é por outra razão que sou ferrenho defensor de cotas raciais. Cara, não tem nada mais lindo do que redimir rapto, venda de pessoas, uma viagem de navio no porão, séculos de escravidão e chicote oferecendo um diploma universitário de “museologia do entulho” e depois um péssimo emprego para alguém.
Aliás, cheguei a te dizer que acho mendigo bêbado o maior barato? É de um romantismo chapliniano, mas longe de mim, lógico, porque papo de bêbado só se for pra falar em Marx e Althusser, de preferência com o desodorante em dia.
Acho que os serviços do estado são uma merda. Péssima educação, péssima saúde, péssimas estradas, polícia fascista, tudo péssimo. Mas por culpa do capitalismo e do estado mínimo neo-liberal, óbvio.
Bom mesmo seria não existir estado nenhum (sou meio anarquista, não liga), mas enquanto não rola uma experiência assim, meio Colônia Cecília, uma comuna no país inteiro, prefiro que deixem o estado grande mesmo, ainda mais porque alguém precisa pagar meu salário, já que nem sei o que faria se tivesse que viver com o que pagam pro povão na iniciativa privada.
Adoro povão, não me entenda mal. Mas com limite, né? Virar proletário não ajudaria em nada a revolução. Alguém precisa liderá-los. Alguém assim tipo eu.
Além do que, na ausência do Batman, a polícia fascista é pra onde eu ligo se vejo alguém suspeito na esquina, ainda que deteste esse negócio de rotular as pessoas e ser preconceituoso.
Porque só tem uma coisa que eu detesto mais do que rótulos e preconceito: incoerência. Todo mundo é livre para pensar o que quiser, mas gente assim, preconceituosa, autoritária e incoerente, na minha opinião tem que prender e arrebentar.

By http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/seja-um-jovem-indignado-um-playboy-engajado-um-artista-militante/#comments
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário